terça-feira, 5 de junho de 2012

Poema de Álvaros de Campos - Modulo 9


Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Analise:

        Álvaro de Campos mostra uma imagem extremamente negativa de si mesmo, sendo ele apenas um vaso vazio que a empregada partiu na escada. A imagem dos cacos representa a ideia de que o poeta se sente sem existência, como se não reconhecesse em si uma alma. Observa-se que os cacos, apesar de conscientes de existirem, não têm consciência de serem um conjunto. Para expressar a falta de sentido da sua existência, o poeta termina o poema mencionando deuses indiferentes com o caco no tapete, uma pobre representação de uma obra, de uma alma, de uma vida.

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