Tempo histórico (época ou período da História em que se desenrolam as sequências narrativas):
A acção passa-se no início do século XVIII (1711 – 1739).
Tempo da diegese (tempo durante o qual a acção se desenrola, segundo uma ordenação cronológica e em que
surgem marcas objectivas da passagem das horas, dias, meses, anos…):
1711 – 1739. Ao longo do romance, as referências temporais são escassas e, muitas vezes, deduzidas. O
crescimento e/ou envelhecimento das personagens também nos dá conta da passagem do tempo.
- Chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje (I) – deduz-se que a acção
tem início em 1711, pois o casamento real aconteceu dois anos antes, em 1709.
- Apenas há seis anos aconteceu, em 1705(II) – confirma 1711 focado anteriormente;
…
Tempo do discurso (modo como o narrador conta os acontecimentos, podendo elaborar o seu discurso segundo
uma frequência, ordem e ritmo temporais diferentes):
Frequência temporal:
à Discurso singulativo – o narrador conta apenas uma vez o que aconteceu uma só vez.
à Discurso repetitivo – o narrador conta várias vezes o que aconteceu apenas uma vez.
à Discurso iterativo – o narrador conta uma vez o que aconteceu várias vezes
Ordem temporal:
à O narrador conta no presente acontecimentos já passados – analepseà anisocronia temporal
à O narrador antecipa acontecimentos futuros – prolepse à anisocronia temporal
à O narrador segue uma ordem cronológica dos eventos – ordem linear à isocronia temporal.
Ritmo temporal:
à O tempo da diegese pode ser maior do que o do discurso – anisocronia temporal (o narrador omite (elipse) ou
sumaria o que aconteceu em determinado período temporal)
à O tempo da diegese pode ser menor do que o do discurso – anisocronia temporal (o narrador procede a
descrições, divagações, reflexões, pausas narrativas)
àO tempo da diegese pode ser idêntico ao do discurso – isocronia temporal (exemplo: diálogos).
No “Memorial do Convento” o narrador manipula o tempo a seu belo prazer mas segue uma ordem cronológica
linear havendo, por vezes, algumas anisocronias, sobretudo prolepses (antecipação de acontecimentos futuros)
que reflectem o seu afastamento temporal da intriga:
- O número de filhos bastardos de D. João V (IX)
- A morte do sobrinho de Baltasar (X)
- A morte do infante D. Pedro (X)
- A morte da mãe de Baltasar (XII)
- A morte de Manuela Xavier e de Álvaro Diogo (XVII e XXIII, respectivamente)
Da mesma forma, adoptando uma atitude distanciada e, não raro, irónica, o narrado tece comentários e
comparações entre épocas históricas diferentes, que marcam a distância entre o tempo da diegese e o do discurso
(prolepses).
- Alusão à extinção dos autos-de-fé (V)
- A referência às cores da bandeira portuguesa e à implantação da República (XII)
- A menção à cor carmesim (XII)
- A alusão à revolução do 25 de Abril (XIII)
- A indicação do número de frades instalados no convento por altura das invasões francesas (XVII)
- A referência ao cinema e aos aviões (XVII)
- A alusão a Fernando Pessoa (XVIII)
O distanciamento do narrador relativamente ao tempo da história é, ainda, visível quando este interpela directamente
o narratário, esclarece termos que caíram em desuso e quando simula a voz de um cicerone (guia os visitantes do
convento de Mafra (XIX)), detectando-se aqui a oposição entre dois tempos diferentes, com o intuito de corrigir a
História através da lembrança daqueles homens verdadeiros e dos quais não há registo histórico oficial.
É de salientar que o narrador tem consciência do desfasamento entre o tempo da história e o da escrita. Com isso
pretende lembrar e enaltecer os homens/heróis que a História quase sempre esquece, através da oposição entre
épocas distintas Vão aqui seiscentos homens que não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam,
com perdão da anacrónica voz (XIX).
Há momentos em que o narrador recua no tempo diegético para contar acontecimentos situados num passado, mais
ou menos distante, que explicam determinados aspectos da acção no presente (analepses):
- Desejo antigo dos franciscanos terem um convento em Mafra (II)
- A língua portuguesa ser familiar a Scarlatti há já alguns anos (XIV)
- O que aconteceu ao cravo de Scarlatti que se encontrava na quinta do duque de Aveiro (XVI)
No último capítulo há um salto de 9 anos no tempo da diegese em que o narrador sumaria em poucas páginas o que
aconteceu durante este período de tempo. Nesta elipse temporal, o narrador cinge-se praticamente à peregrinação
incessante de Blimunda e ao (re)encontro de Baltasar, 1739, desde o seu desaparecimento em 1730, omitindo o que
de supérfluo para a acção se passou durante estes anos.
Tempo psicológico (tempo subjectivo, relacionado com as emoções, a problemática existencial das personagens, ou
seja, a forma como estas sentem a passagem do tempo, vivendo momentos felizes e/ou infelizes):
No percurso até Espanha, Maria Bárbara vai observando o que a rodeia e, a partir daí, medita sobre vários assuntos,
nomeadamente sobre o facto de nunca ter visto o convento erigido em honra do seu nascimento (XXII).